domingo, 10 de agosto de 2008

Laus contra o dragão

Fonte: Sérgio Laus

O mês de agosto na China é marcado por altas temperaturas. O calor é intenso tanto à noite como durante o dia.
Um bafo quente, que até dentro do rio embarcado nas lanchas e jets poderíamos sentir.
O tufão que arrasou o sul da China passou e o tempo começou a melhorar.
Mas o céu azul ainda ficava escondido no meio de nuvens e poluição.

A melhor coisa para se fazer na China é comprar!

Com preços muito baixos, nossa equipe tinha uma vontade intensa de visitar lojinhas.
Nosso terceiro dia na China foi reservado às compras. Gastamos muito.
Mas na verdad
e não gastamos nada. O real está valorizado e cada conversão de preços íamos juntando os carrinhos de compras.
Destaque para o Likoska, que fez a mala com lindos produtos. Todos compraram presentes para família. Mas nosso mascote, o famoso Grilo Agridoce, teve que comprar até malas novas para poder levar os produtos para sua nova loja, Ásia.com, situada em Camburi, litoral norte de São Paulo.
Entre um shopping e outro, nosso motorista particular não regulava o dedo na buzina e atropelava tudo e todos. Uma ignorância extrema no trânsito. Sem respeito algum, os chineses passam um por cima do outro. Só apenas respeitam o sinal vermelho.
Coitado dos pedestres que precisam se arriscar para atravessar uma rua. Bicicletas e motinhos circulam numa faixa especial, mas correm sérios riscos quando precisam passar por um cruzamento.
Eles inclusive andam pelas calçadas e na contramão. Muito louco! O legal foi ver umas bikes diferentes, bem pequenas e que dobram no meio. Além das bicicletas com motor elétrico. Essa sim é o veículo oficial da classe operária. Levam tudo e todos sob duas rodas, verdadeiros equilibristas.
Para fechar o dia foi convocada uma reunião especial com o secretário-maior da cidade de Hangzhou, chefes da marinha, polícia, especialistas em marés, e todos os responsáveis pela segurança em geral.
Todos aguardando nossas declarações sobre procedimento de segurança e planejamento estratégico da ação no rio.
A verdade é que eles queriam realmente garantir que estávamos seguros e capacitados para encarar a temida Black Dragon.

A tradutora Miss Xia, pediu que fossemos breve no relato de como iríamos encarar o fenômeno e quais nossos planos para garantia da segurança. Esta parte foi fácil, pois temos um imenso arquivo de imagens de expedições e ações de resgate tanto em rio quanto no mar.

Nosso companheiro Jorge Pacelli é especialista em resgates aquáticos e possui vários certificados validados pelo mundo afora.

Fora isso, nossa equipe toda tem uma vasta experiência no fenômeno. Sendo assim, terminamos a reunião congratulados pelos aplausos e expressões de tranqüilidade das autoridades locais.
No quarto dia a chuva parou e o calor aumentou. O mormaço foi o nosso parceiro para o primeiro dia de surf. Durante a reunião com as autoridades locais, fomos avisados e alertados de que só poderíamos surfar num determinado local do rio, entre duas pontes que marcavam o festival da Black Dragon e onde ficava um hotel com pontos de avistamento do fenômeno.
Garantiam para nós que ali a onda seria boa e que todos os pescadores da região seriam proibidos de trabalhar para não atrapalhar em nossa ação.

Ao esperar a onda embaixo de uma enorme ponte, vimos que ela já vinha há vários quilômetros quebrando uma esquerda perfeita, que depois virava uma longa direita até morrer na ponte.
A partir dali nós entravamos em ação. Mas ao passar as pilastras de concreto o fenômeno perdeu força e a onda quase desapareceu. Frustração total. No trecho permitido a onda não passou de meio metro.
O pior que não podíamos fazer nada, a não ser respeitar as imposições feitas nessa primeira ordem. No flexboat com motor de 70 HP, Glauco levava o Likoska e nosso anfitrião Mr. Wei Xing, que foi bombardeado com frases do tipo: “É lá fora que a onda está boa, temos que ir pra lá!”, “Vamos buscar a grande onda, aqui ela está pequena. Podemos fazer isso com segurança, pode ficar tranqüilo”.
Depois de nos martirizar após a perda da grande onda, fomos novamente às compras e jantar.
Depois de enfrentar um mercado mais do que lotado, veio a boa notícia. Mr. Wei disse que poderíamos driblar a polícia e arriscar a caça pela maior onda. Fomos dormir mais tranqüilos, só pensando naquela onda perfeita que quebrava sozinha.

Enfim, somente no quinto dia sentimos a verdadeira adrenalina para mapear e buscar a melhor onda que havíamos visto no rio Quintang. Depois de observar a onda balançando no outside, receb
emos uma ordem para voltar à ponte, pois a polícia estava para mandar uma viatura a nossa captura.
Não tivemos outra opção a não ser acatar as ordens. Fizemos uma firula e ao ver a onda explodindo na margem esquerda do rio, aceleramos com tudo e driblamos a forte fiscalização para surfar ondas com tamanho.

Chegamos ao momento exato em que uma esquerda perfeita se formou. Márcio e Likoska estavam no jet-ski para capt
ar toda a ação. Glauco ficava um pouco mais afastado para não oferecer perigo à embarcação, enquanto Pacelli e eu nos preparávamos para o tow-in.
Pacelli foi o primeiro. Puxei-o na primeira onda e o big rider paulista já na fissura, veio ignorando a bancada de concreto e rabiscou a parede marrom até que a onda começou a levá-lo para um píer.

Sem sair da onda, o busquei para mais uma estilingada. Dessa vez a onda ficou maior, uns 6 pés de face, rápida e com pressão. Uma seção que mostrou a verdadeira face do Dragão.

Já na fissura, a segunda bancada foi a direita. Pacelli passou para o comando e me lançou na onda. Perdi as contas de quantas manobras fiz, mas pude perceber que a água é muito mais pesada do que na Amazônia, e que precisa fazer mais força para surfar. Porém, uma onda muito boa e perfeita até aquele momento.

Ao passar a ponte, mais uma vez a onda quase sumiu e o surf acabou por ali mesmo. “A onda armou bonito. Deu pa
ra mandar várias manobras. Teve uma hora que me empolguei numa rabetada, mas a onda é diferente”, lembra Pacelli.
“É uma experiência animal. Estamos desbravando ele dessa maneira pela primeira vez na história. Disseram (autoridades de Hangzhou) que vamos entrar na história da cidade”, completa o big rider.
Nesse dia as autoridades estavam na ponte somente olhando nossa ação. E foi justamente ali que a onda se encerrou. Naquele momento viram que saí da onda e nada me aconteceu. Suspiraram com alegria e se cumprimentaram com um sorriso.
“Ficamos felizes que nada aconteceu a vocês. Todas as autoridades ficaram mais tranqüilas por saber que vocês realmente entendem do assunto. Isso será um ponto muito positivo para a realização dos próximos projetos”, diz Wei Xing, chefe do Centro Administrativo de Esportes Aquáticos da China.
Para festejar o melhor dia de surf desde nossa chegada, fomos para mais um jantar de gala e finalizar com o turismo numa rua cheia de lojinhas boas para comprar.

O sexto dia na China foi parecido com os demais. Mas tive que me separar da equipe, pois tive uma reunião so
mente com autoridades locais para discutir a ação do evento de setembro, quando ocorre um grande festival para a chegada do Dragão Preto, com mais de 200 mil pessoas.
Na China tudo é grandioso. Um festival deste porte não chega a ser um mega evento, em um país com um bilhão e duzentos milhões de pessoas. É como se tivéssemos quase toda a população brasileira visitando o festival. Claro, que isso tudo em vários dias de festa e comemorações.
Depois da reunião, nos organizamos para nosso terceiro dia de surf, que teoricamente seria o melhor dia. Já tínhamos o conhecimento da onda e sabíamos onde ter um melhor aproveitamento. A expectativa estava muito forte e como nada na vida vem fácil, tivemos que enfrentar a fúria do Dragão.
Estávamos com tudo pronto. Todos sabiam o que fazer e parecia que teríamos um belo dia de surf. Foi então que fomos chamados pelo radio. Nossos anfitriões nos alertavam para uma tempestade eminente e muito forte.
Avaliamos a situação e chegamos a conclusão que teríamos que enfrentar a chuva, a fim de termos mais um dia de experiência na onda. Mas na verdade não esperávamos que a tempestade fosse tão animal.
Os fenômenos naturais na Ásia são de grandes proporções, assim como suas construções. Realmente tivemos uma bela tempestade de raios que nos impossibilitou de chegar a tempo no ponto inicial da onda.
Todos posicionados prontos a caminho do outro lado da ponte e, de repente, o céu negro e riscos luminosos por toda parte. Raios trovões e muita chuva alertavam para o risco de permanecermos embarcados no meio do rio.

Na verdade não tínhamos porque correr este risco e decidimos aguardar a força do dragão diminuir. Paramos ao lado de um navio da policia local, que possivelmente teria pára-raios e nos protegeria de qualquer imprevisto.

Foi incrível, parecia um alerta de que teríamos que ter um pouco mais de calma afim de não comprometermos a expedição.
Paramos cerca de meia hora, suficiente para perder a melhor seção da onda. Quando a tempestade diminuiu, a galera já estava maluca sabendo que a onda não espera e que provavelmente já estaríamos atrasados e perderíamos a onda naquele dia.
Dito e feito. Saímos em direção à ponte e a onda já vinha cruzando embaixo da mesma. Foi a maior decepção.

Vimos a “bixona” com um tamanho bem considerável numa parte onde ela deveria estar pequena, assim imaginamos que lá fora ela deveria ter entrado com força e tamanho. Bem maior do que havíamos pegado no dia anterior, com quase 6 pés de face.
Após o Dragão Negro se apresentar, foi hora de assistir a um magnífico espetáculo à beira no West Lake, numa emocionante história do amor. Com jogos de luzes, acrobacias, danças, coreografias e muito som num cenário a céu aberto.
Uma overdose da cultura chinesa, seguida do último jantar da nossa estadia em Hangzhou antes de retornar ao Brasil.

Tudo muito bom e bonito! Comidas exóticas e com uma variação com mais de 25 pratos expostos à mesa redonda e giratória. Entre as porções de língua de pato, fungos de madeira, água-vivas, vegetais, legumes, cachorrinho, estava um estranho bolinho especialmente preparado para nossa equipe.

“O que é isso?”, pergunta Pacelli. E o nosso anfitrião fala: “São bolinhos com uma fórmula que vem do carrapato das costas do veado”, explica Mr. Wei, tentando dizer também qual a origem do nosso novo prato.

O pior foi que eles colocaram no prato de nós cinco. Loucura. Para descer, somente com a ajuda do vinho e de água.

Enfim chegou nosso último dia na China. Já adaptados com o costume e as tradições locais, a equipe já previa todas as situações a serem percorridas.

Um detalhe sobre o surf chamou a atenção. A água quando respingava nos olhos ardia. Não sabemos o porquê, mas pode ser devido a presença de grandes fábricas de celulose e outras construções à beira do rio Quintang.
Mas antes de dar a última queda, fomos para uma coletiva de imprensa com emissoras de TV e jornais da província de Hangzhou para oficializar a nossa parceria e anunciar que em setembro teríamos encontro marcado com a maior força do Dragão Negro.

Apresentações feitas tive a honra de falar para todo o povo chinês o porquê de nossa presença e o que isso poderia resultar.

Aliás, sempre representei a bandeira brasileira nos discursos realizados nessa estadia, fosse em jantares, reuniões ou até mesmo em situações informais. Eventos totalmente formais davam um toque especial em nossa aventura, que representava muito bem a nossa pátria amada.

Depois das entrevistas e troca de presentes entre visitantes e donos da casa, fomos intimados para uma partida de futebol. Com a nossa fama nesse esporte, os chineses queriam ver espetáculo.

Não somos tudo aquilo! Jogamos com o time masculino da cidade e perdemos por 1 a 0. Segundo Likoska, deveríamos perder para não criar antipatia. Mas no jogo contra o time feminino de Hangzhou encaramos um empate por 1 a 1.
Não estávamos entendendo nada. Um evento de surf acabou tirando a atenção da população no momento em que as Olimpíadas chega com tudo em Pequim.

Nesse dia o surf veio lá de fora, porém com uma onda varrendo tudo de ponta a ponta do rio. Uma espuma rápida e compacta correndo por mais de 25 minutos. Navegamos toda a sua extensão, até encontrar a melhor bancada para surfar.

Nisso pulei numa esquerda que só pararia minutos depois, debaixo da ponte. A onda que dias antes estava pequena, agora ganhava tamanho e forma na bancada principal. Muito tow surf até o momento de ir embora.
Tivemos que retornar antes do final da onda, correr para um banho e tocar para o aeroporto. Pois assim como a pororoca, nosso vôo para o Brasil também não iria nos esperar!
Expedição concluída e estratégia elaborada. Agora só falta terminar com o projeto Black Dragon no próximo mês de setembro, quando o Festival de Hangzhou irá atrair milhares de pessoas para nossa apresentação na onda de maré mais furiosa da Ásia.

A equipe Surfando na Selva usa equipamentos Mormaii, DartBag, Okdok, Ogio, Goofy e Pacelli Models.
Além de contar com o apoio de William Woo, Academia Gustavo Borges e Blood Stream.
Até o equinócio.
Auera auara e xei xe.

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